31 janeiro 2007

Provocação Segunda

Para má já basta a vida.
Abaixo a arte da perturbação!

Se a felicidade é um engano, então vamos enganar-nos.
Abaixo o desassossego!

Exprimamos a luz.
Abaixo Dionísio!

Exprimamos a perfeição.
Viva Apolo!

Abaixo a dor e a nostalgia! Se Pessoa diz: "Com que ânsia tão raiva/Quero aquele outrora!", Reis responde com: "Uns, com os olhos postos no passado, / Vêem o que não vêem; outros, fitos / Os mesmos olhos no futuro, vêem / O que não pode ver-se. / Porquê tão longe ir pôr o que está perto?"Ora toma e embrulha tu também, Campos.

18 comentários:

OGC disse...

Ok... eu acho piada às tuas provocações, mas esta foi bem escolhida.
"Abaixo o desassossego"?
(Espero que consigas provocar mais gente, mas pelo menos a mim conseguiste!!)
A vida não são só coisas boas. Se não passares e pensares sobre as más, como poderás apreciar o que tens de bom? Sem a noite, como darias valor ao dia? Sem a tristeza, como darias valor à alegria? Sem imperfeição, como darias valor à perfeição?
Aliás, acrescento que para mim a imperfeição é muito mais interessante e produtiva.
O caos é criativo. Tudo o mais (mesmo a perfeição) é estático.

OGC disse...

(toma e embrulha, ó pseudo-Reis! ;P)

Anónimo disse...

Eu não tenho pedalada para vocês...
Mas parece-me que estais a pôr-vos em campos antagónicos (ou quase) perante a Vida:
O Orlando parece-me pessimista. A Vida é um "vale de lágrimas" onde, de vez em quando reparamos que há algumas coisinhas que nos alegram. Como se fosse sempre dia de chuva com raras abertas. E parece que mostra pensar que não há nada a fazer senão resignar-nos. Que só através do sofrimento é possível atingir a Salvação (talvez n'Outro Mundo, n'Outra Vida para além desta).
O Chicasso parece que compreendeu que a Vida pode ser chata, aborrecida, infeliz, triste, mas mostra uma atitude positiva - mesmo que viva num engano, deixemo-nos enganar. P´ra pior já basta assim - como diz o Sérgio Godinho numa das suas cantigas antigas. Rasguemos as núvens do dia escuro lá atrás, para viver a Luz.
Mas talvez seja melhor passar para aqui a "voz" de um grande poeta:

A Thing of Beauty is a Joy for Ever

A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o'er-darken'd ways
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits...

-- John Keats

E, como dizia um outro poeta (Horácio, nas "Odes"):
sapias, vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero

Isto é:(mais ou menos)
Sê sábio, bebe o teu vinho, não tenhas expectativas demasiado ambiciosas. Mesmo enquanto conversamos o ínvio tempo passa: tira o máximo partido do presente, que o futuro é incerto.

(A expressão "Carpe Diem" foi "objecto de reflexão" no filme "O Clube dos Poetas Mortos")

Dália Dias disse...

a mim fascina-me a "dupla existência da verdade". Pessoa dixit.
gosto muito do efeito heteronímico no debate em torno do sentido da vida. cada bom português é, de facto, muita gente...

há mais lenha para o fogo? digam!discordem! concordem! provoquem!mas, pelas almas, mostrem que pensam de modo inconformista!

Anónimo disse...

e ser Campos um dia?
e no outro ser Reis conformado?
e quem sabe no outro ser uno com a Natureza [de Caeiro]?


e não sermos apenas um? mas sermos muitos?

Anónimo disse...

e eu sou [Bernardo] Soares.

eheh!

OGC disse...

Não chamem pai a outro, eu percebo o seu (teu? :P) ponto de vista em ralação às nossas posições perante a vida.

No entanto, e contrariamente ao que possa ter dado a parecer, eu não me considero pessimista e muito menos resignado.
Nada mesmo.

A questão que coloco é até que ponto só é importante a Luz. Ela existe (e ainda bem!) muitas vezes, não só em raras abertas. Mas também não acho que (e ainda bem!) seja apenas cortada por raras nuvens.
Faço-me entender?

Sou de opinião de que Luz e Escuridão ou qualquer outra metáfora que queiramos usar, devem coexistir em equilíbrio.
Sou também de opinião que por vezes é necessário quebrar esse equilíbrio, agitar um pouco as coisas, dar asas à criatividade e re-equilibrar novamente as coisas. O equilíbrio é bom, sobretudo se não for sempre o mesmo.


(bendito Chicasso e as suas provocações!)

Anónimo disse...

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Anónimo disse...

Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta: Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí!Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.



Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou -
Sei que não vou por aí!


José Régio

Anónimo disse...

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

Anónimo disse...

...deixa-te ir...


vem comigo
as palavras nada podem revelar
esqueci-as quase todas onde vislumbro um fogo
pegando fogo ao corpo mais próximo do meu

Al Berto

Dália Dias disse...

acho que lembrarei estas reflexões, em breve, diante da fachada de S.Marcos, em Veneza. É a sublime presença do tempo em decadência, na mais bela cidade das arquitecturas invisíveis. Orlando,Chicasso, Joana (mesmo que não esteja lá...),um dos suspiros que daremos, debaixo da ponte, tem de ser por nós, aprendizes da mais bela luz, entre o alvorecer e o crepúsculo. Anunciamos, nesse secreto kadish, o arco do tempo que pode unir todos os presentes.

Anónimo disse...

esta 'joana.' com "ponto final" [eh eh] , vai.

Pablo Chicasso disse...

Ora bem... deixem cá ver.
Será bom esclarecer que não se trata de qerer negar a existência de aspectos negativos na vida. Apenas entendo que a Arte deve valorizar os positivos. É claro que também tenho dias maus. ora essa... temos todos. Mas o que eu quero dizer é que não me agrada a face Dionisíaca da Arte. E incomóda-me quando a vejo proliferar.

Quanto ao caos ser criativo eu não podia concordar mais: quem conhece a minha secretária certamente ja adivinhou que faço questão de a manter pelo menos um pouco desarrumada

Anónimo disse...

calem se pá.





;)

Dália Dias disse...

ok, calamo-nos. mas só um bocadinho.

amanhã há mais.

os polémicos atacam de novo!

Carolina disse...

(aqui vem a atrasadinha...)
concordo com o orlando, deve haver um equilíbrio... se bem que a arte de vanguarda é a arte caótica que foge dessa "Luz", é a arte de ruptura, original, de quem ousa mais e diferente.. não chamaria "escuridão" a essas fases da vida.. talvez sejam simplesmente uma luz diferente...renovada.

Anónimo disse...

Eu cá sou contra o caos enquanto algo que possa servir como apreciação estética.
Como Bach acho que a beleza está na harmonia. (E já li o que Orlando escreveu sobre o equilíbrio)
Aceito a sua existência como ilustração do início do processo criativo (e lembrei-me imediatamente do meu primeiro comentário no primeiro dia!!!), mas inclino-me mais para a ideia de Beleza dos Gregos antigos:
Platão - Simpósio:
"...o que deveríamos nós pensar...se acontecesse de alguém ver o Belo em si, absoluto, não misturado e, de modo nenhum, contaminado por carnes humanas e por cores e por outras pequenezes mortais, mas pudesse contemplar como forma única o Belo divino? ...Não pensarás que, aqui, olhando para a beleza com aquilo com o que é visível, esse tal gerará não já puras imagens de virtude, pois que não se aproxima de uma pura imagem de belo, mas dará à luz virtudes verdadeiras, já que se aproxima do Belo Verdadeiro?..."
Acredito que o Belo, a Luz, fazem imenso bem às pessoas e, por as fazerem ser melhores e menos conflituosas e mais tolerantes com o Outro, contribuem para a aproximação de um Mundo melhor, mais fraterno, menos beligerante.
Ao contrário, a divulgação do "lado escuro" tem imensas probabilidades de modelar pessoas agressivas, intolerantes, beligerantes...
Por isso sou mais pelo Chicasso do que pela perspectiva do Orlando.

P.S.1: Orlando, e toda a gente - isto aqui é "tu cá tu lá", pela minha parte estão todos à vontade para me tratar por tu. Haverá alguma razão para me "vocejarem"?
P.S.2: Foram também uns gregos antigos que criaram uma escola filosófica que descreve tudo como um "diálogo" entre opostos de que resultaria um equilíbrio móvel - e por isso foram chamados "dialéticos" - ou não é assim? (corrijam-me, por favor.