06 agosto 2009

FAUP

Começo o meu post em jeito de resposta pelo único ponto em que estamos de acordo: as médias, por si só, não avaliam o potencial de um aluno.
Eu sou prova disso, já que entrei na faculdade como segundo colocado, com 19,55, e terminei o 1º ano com uma média pouco superior a 12,5, onde figuravam dois 10. Tivesse havido um novo ordenamento dos alunos e eu ficaria na metade inferior.
Se desvalorizo as médias não é para justificar a perda, até porque, este ano, recuperei significativamente. O que quero dizer é que as notas traduzem apenas a capacidade de o aluno responder a determinados desafios sob determinadas circunstâncias e têm, por isso, uma validade muito limitada e determinada em âmbito. Na minha opinião, as faculdades é que deviam estabelecer testes de admissão, em vez de deixarem essa tarefa em mãos alheias (no secundário), uma vez que, são elas as principais lucradoras, na sua futura valorização, com a admissão dos alunos com mais potencial.

Daqui em diante, tenho de discordar veementemente de muitas das coisas que escreveste, e irei, ponto por ponto, tentar demonstrar as minhas opiniões adversas.
Em primeiro lugar, a Faup não é a escola do porto porque a escola do porto não é uma instituição ou um edifício. A escola do porto é uma tradição, uma partilha de atitudes e processos, mais até do que, por exemplo, aspectos formais. Materializa-se essencialmente na genealogia F. Távora, A. Siza e E. Souto Moura e nasce da originalidade da proposta conceptual do primeiro.
Nos anos da crítica ao International Style, o pensamento Rossiano advogava o retorno às formas com significado, uma arquitectura narrativa, reutilizando os arquétipos formais clássicos (arco, janela, portal, pirâmide, etc.). Por outro lado, os movimentos neo-modernistas prosseguiram o desenvolvimento das premissas do Moderno (Mega-estruturas, High-tech, etc.). A originalidade da proposta de Távora esteve em não revogar os ensinamentos do Moderno, nomeadamente na aproximação ao programa e ao desenho dos espaços, mantendo a forma como resultado e não partida, mas integrando os valores da história, do lugar e da tradição construtiva, constituindo assim aquilo que ficou conhecido como a 3ª via. Foi essa originalidade da proposta que lhe conferiu legitimidade e projecção internacional e é essa corrente que se identifica como escola do Porto.
Actualmente está em discussão se ainda é pertinente considerar a existência desta escola. A meu ver, as suas influências exercem-se até em arquitectos de outras cidades, porque não então também noutras faculdades do Porto, mas a sua origem e linha principal será sempre a genealogia que indiquei. Na minha opinião o que está em causa não é a sua existência mas antes a sua continuação, como direi mais adiante.

Em segundo lugar, e apenas porque estou a seguir a ordem do teu post, talvez possa explicar que a aparente simplicidade dos exercícios de 1º ano na FAUP se deva apenas a ser a segunda vez que fizeste o primeiro ano. Posso-te garantir que, para mim, foram difíceis quanto baste.

Em terceiro lugar, e não sem uma ponta de vaidade, quero dizer que me espantei com a perspicácia da minha própria frase. De facto, na Faup não se ensina arquitectura, mas antes dão-se oportunidades para que se aprenda arquitectura. É isto que mais diferencia o método da FAUP, e , na minha opinião, para melhor. Dar as oportunidades coloca muito mais esforço e responsabilidade do lado do aluno. Este método tem várias vantagens. Mais esforço significa maior desenvolvimento da capacidade de trabalho e mais responsabilidade significa que não há limites nos objectivos. Depende de cada aluno ser capaz de retirar de cada oportunidade o máximo de aprendizagem, o que significa que se nivela por cima e não por baixo.
É claro que este método é muito desgastante e implica tenacidade, ambição e autoconfiança. Aqueles que não levantarem a cabeça e olharem mais longe, ultrapassando o mero cumprimento dos objectivos aprenderão a missa por metade; i.e. apenas adquirirão a capacidade de trabalho e poderão ser excelentes burros de carga mas nunca farão nada de especialmente interessante.
Ressalvo que isso depende de cada um e não da FAUP e penso nisso como um factor positivo já que promove o desenvolvimento dessa responsabilidade, ambição e autonomia1.

Em quarto lugar uma velha polémica. A FAUP entende como essencial uma sólida formação do arquitecto no desenho à mão, tanto livre como rigoroso. Esta convicção não é mero tradicionalismo ou resistência à inovação e tem objectivos bem precisos. Por um lado treina-se a mão no movimento, por outro os olhos na medida2 e por fim, o cérebro na coordenação de ambos. Para um arquitecto é fundamental ter noção de escala (e também das várias escalas). Se hoje sou capaz de olhar para uma planta (a 1:50, 1:100, 1:200, 1:500 ou 1:1000) e dizer, sem medir, o tamanho dos pavimentos, das portas, da sala, do edifício ou a largura das ruas devo-o a esse treino intensivo. Se desenhei, na última entrega, quase todas as espessuras de paredes (variáveis entre 1, 2 e 3mm) sem as medir com régua, fi-lo recorrendo às capacidades adquiridas com esse método.
Entendo, no entanto, que há uma crítica a fazer. Ensaiando uma metáfora desportiva, diria que este método é ginásio. Dá grandes capacidades, mas não desenvolve a táctica, a leitura de jogo ou a criatividade. Apesar disso, a eficácia do método no cumprimento dos seus objectivos e a importância dos mesmos são absolutamente inegáveis. O que aceito contestar é apenas a quantidade de ginásio que se faz, mas não por durar dois anos (o 1º era absolutamente insuficiente), antes pela quantidade em cada ano.

Em quinto lugar, quero manifestar as minhas opiniões conflitantes quanto ao edifício. É verdade que aquele é um edifício feito para trabalhar. O que é bom. É verdade que aquele é um edifício que não favorece a interacção. O que é dificilmente defensável como positivo. Tais efeitos são, em primeiro lugar produzidos pela disposição das salas de aula em torres, o que pressupõem a utilização de uma caixa de escada ou elevador directamente ao nosso piso sem passar por mais sala nenhuma. Papel importante têm também as muitas e dispersas entradas, que fazem com que não haja um espaço de acesso central e que seja virtualmente possível duas pessoas entrarem e saírem simultaneamente, sem nunca se cruzarem. Além disso, não há nenhum grande espaço de reunião que seja interior e o bar, que é pequeno, tem uma localização periférica.
De todo o modo, a forma como o projecto cumpre esse objectivo (indubitavelmente propositado) é extremamente inteligente e eficaz. A FAUP é um mosteiro3, quem entra casa com a arquitectura, muda de nome e entrega os seus bens (nomeadamente na papelaria e reprografia).

Por fim, quero deixar a minha crítica à FAUP. Essa crítica já estava implícita quando disse que estava em causa a continuação da escola do porto e também quando falei do ginásio. Na minha opinião, o maior defeito da FAUP, neste momento, manifesta-se em duas vertentes. Por um lado a excessiva valorização da disciplina de Projecto e consequente desvalorização das restantes; por outro, a forma excessivamente mecânica (de ginásio) como a dita disciplina é ensinada. Seria mais interessante que a disciplina de projecto favorecesse uma prática mais conceptualizada, que chamasse a si os debates de outras disciplinas (especialmente Geografia, História e Teoria). Tal como é feita, não favorece a produção de um discurso, nem a revitalização, através do desenvolvimento ou substituição, do discurso original. Como já disse, é daí que advém a legitimidade da nossa proposta e, como tal, essa legitimidade poderá estar em risco. Paradoxalmente, a ambição que vi no pavilhão de ténis (nota 1), não vejo hoje na disciplina de Projecto.

1 Como modelo desta ambição que o arquitecto (e o aspirante) deve ter, gostaria de mostrar o pavilhão de ténis (Quinta da Conceição) do Távora como me foi apresentado pelo prof. Francisco Barata. A encomenda era simples: dois balneários, um pequeno espaço para preparação de chá e afins e um espaço para ver as partidas. Em vez de se limitar a responder ao programa, o arq.º construiu um edifício que é um manifesto das suas ideias sobre construção, modernidade e tradição. Foi um edifício fundador e é hoje um símbolo do regionalismo crítico, outro dos termos associados à 3ª via.
Qualquer Zé-ninguém responde ao programa. Fazer arquitectura é mais do que isso.


2 Michaelangelo terá dito: "É preciso ter o compasso nos olhos". É esse o grande objectivo do desenho.

3 A primeira referência para o projecto da faculdade foi o Paço Episcopal do Porto e a primeira ideia já foi volumetricamente comparada a La Tourrette pelo meu professor de Construção.

5 comentários:

OGC disse...

Não acho que estejamos assim tão em desacordo. Pelo menos, eu não interpreto a minha posição como veementemente oposta à tua:

-Em relação à escola do Porto, parece-me que estamos de acordo: a genealogia nasceu ali mas actualmente não lhe está circunscrita;

-Relativamente ao terceiro ponto, talvez tenha ficado a ideia de que defendo a relação ensino-aprendizagem da Lusíada, quando apenas pretendi provar que é diferente da da FAUP. Em determinados aspectos (pe, como fazer um corte) parece-me positivo que se seja efectivamente ensinado; noutros (como o caso do pavilhão de ténis bem ilustra) prefiro o "método" FAUP. Minha culpa também se passei a ideia de que não existia na Lusíada essa criação de "oportunidades de aprendizagem", criando apenas cumpridores de tarefas, o que não corresponde, de todo, à verdade;

-Sobre o edifício e o excesso de valorização de Projecto não poderíamos estar mais de acordo.


O que nos deixa apenas, segundo as minhas contas, dois pontos:

-complexidade dos exercícios de Projecto I: ao considerá-los mais simples mão me refiro à dificuldade que tive em fazê-los (não foi assim tão mais fácil este ano) mas à abordagem que se faz. De novo nem imagino o que será melhor do ponto de vista pedagógico, nem eu próprio consegui ainda decidir como acho preferível, mas refiro-me apenas à forma como são trabalhados temas que são mais ou menos os mesmos (pe, exercício 1. O ano passado lidei com uma área real, com pré-existências e uma série de condicionantes que requerem a análise de um grande número de questões; este ano, como sabes, trabalhei um tabuleiro abstracto, que deveria escavar de forma a organizar efeicazmente o espaço, com algumas praças com formas e cotas dadas.);

-(nas tuas palavras) tradicionalismo e resistência à inovação. Percebo e consigo concordar com a importância desse treino. A "quantidade de ginásio" é que me parece realmente excessiva, é este o meu principal ponto. Ainda não posso com exactidão confirmar nem desmentir a questão dos dois anos; daqui por um eu comunico.


Posto isto, não percebi a tua introdução! (Ou escapou-me algo importante?) Mas fico contente com o comentário/post, era este o tipo de discussão que achei pertinente ter. É fim de ano e é muito fácil acomodarmo-nos ao que quer que tenhamos. Pareceu-me importante manter o espírito crítico!
Mas ainda aguardo comentários de outras estações! (descarademente: Sérgio, Marys' e Rachel, podem dar a vossa opinião por favor? =P)

Pablo Chicasso disse...

pois devo dizer que quando comecei a escrever o post estava cheio de entusiasmo, o que me terá levado a escrever aquelas palavras (o que não faz delas menos verdadeiras). No Fim, concordo que fiquei com a sensação que estavamos de acordo nas matérias de fundo. (esta é uma expressão que se costuma usar naqueles debates tipo Pacheco Pereira...) Por outras palavras, acho que estamos de acordo naquilo que gostaríamos que fosse a FAUP mas há pequenas diferenças nas críticas que fazemos e nos meios que defendemos.

pequena diferença qt à escola do Porto: Eu não acho que ela esteja disseminada. isso são reflexos, estilhaços. eu ponho em causa a capacidade da própria FAUP lhe dar continuidade, qt mais entao qualquer outra faculdade. há até quem defenda que a escola do Porto já acabou (o Soutinho p.e.); eu não diria tanto mas acho que pode não durar mt mais tempo.

quanto ao desenho manual, acho os dois anos indispensáveis para conseguir o efeito procurado. considero é que não deveriam ser feitas tantas horas semanais de ginásio. Mas concordo que só se use CAD no 3º ano.

gostaria de ouvir também as opiniões dos nossos colegas, principalmente os espianos e quanto a esta matéria do desenho já que tb desenham à mão.

Marys' disse...

Pronto pronto, a gente comenta.
(vou fazer o comentário com base nos posts do OGC e do PabloChicasso, por isso se parecer confuso e salteado é por isso)

Ora bem, eu sou (ou fui lol)uma esapiana cheia de orgulho na minha instituição. Entrei para a Esap, porque não tive a media alta o suficiente. Parece que 17.95 não chegou e fiquei de fora por 2.5 décimas! quando completei o 1º ano na ESAP (passei agora para o 3º) resolvi tentar a minha sorte, de novo, mas sem nenhuma motivação em especial. Fiquel a 5 centesimas! lol (Desde sempre a entrada na Faup é para mim e para muita mais gente sinónimo de frustação). Este ano vou tentar a minha sorte mais uma vez, mas desta por transferência (vamos lá ver! Desta vez a vontade é maior)

Mas, voltando à ESAP, mal entrei adorei. Encontrei uma faculdade (ou melhor, Escola Superior)diferente do que estava à espera. Encontrei uma escola "espalhada" pelo centro histórico, instalada em edificios antigos (um deles é o edificio de Belmonte, o antigo Palacio dos Pacheco Perreira). E assim sendo, o espaço da Esap acabava por ser toda aquela zona, tendo principal centro no largo de S. Domingos, onde tropeçamos diariamente com turistas e com os habitantes daquela zona histórica. Considero este contacto e toda esta complexidade riquissima e bastante importantes para nós, aprendizes de arquitectura.

Uma das mais valias da ESAP são os diversos cursos que lá existem (fotografia, cinema, pintura....) o que nos permite ver e estar além da arquitectura (Penso que a ideia aquando da fundação da ESAP era a mesma da Bauhaus).

Relativamente à escola e professores, há de tudo como em qualquer faculdade, mas há em geral uma relação proxima, um acompanhamento quase constante, o que por um lado é bom porque nos permite ir mais além nos trabalhos e projectose, mas por outro não nos fez desenvolver muita autonomia. (claro que depende de pessoa para pessoa). Acho que la Esap ao contrario do que dizem da Faup, ensinam-nos o que precisamos.

Quanto à grande polémica de toda esta discussão , Tinta da China VS AutoCad, na ESAP, no 3º ano penso que há uma disciplina onde se começa a trabalhar em Cad e depois penso que dependendo dos profs não há uma obrigatoriedade de trabalhar os projectos a Cad. Tenho ideia de me terem ditio que há quem ainda trabalhe à mão. A minha opinião é que passar rigorosos a tinta não é essa alergia que falam. Não acho que se deva desenhar até sempre a tinta, mas para mim faz todo o sentido passar por esta etapa. Mesmo que quando formos trabalhar enquanto arquitectos isso não vá acontecer, mas acho que temos de passar por isso, faz parte!

Quanto ao ensino, nunca nos foi injectado qualquer tipo de referencia. é até rejeitado por alguns professores aqueles exemplos mais "banais" e há uma procura de novos arquitectos (pelo menos pela parte do meu professor de projecto, que nos põs a procurar uma data de novos nomes). Ou seja, ao contrario da Faup, a Esap não tem essas referências como o Tavora, Siza e Soouto, mas penso que tem uma visão mais ampla.

(to be continued...)

Marys' disse...

(...) Mas o que mais me agrada no ensino da Esap é sem duvida a importancia que as teóricas têm, para além de projecto. pelo menos é assim que eu as vejo. Todas, consciente e inconsciente vao influenciar projecto e como tal devem ter essa importância. No entanto, quando digo isto na Esap sou "abominada" por quase todos, porque na Esap estão os alunos que não entraram na Faup, logo os que têm notas baixas, logo os que que têm menos o "bichinho do trabalho". lol
(parece um bocado preconceito, as não é...)

Outra das grandes mais valias da Esap é o espirito de grupo, pois as turmas são cada vez mais pequenas e toda a gente se conhece e por estranho que pareça não se sente uma competitividade selvagem, aquela iguista que leva a uns sabotarem trabalhos de outros. Há o contrario. Podiamos deixar o que quisessemos em qualquer lugar, durante o tempo que fosse prociso, que ficava lá. Há um espirito de grupo forte.
Estas são alguns dos pontos positivos da ESAP, mas nem tudo são rosas!
No que toca à administração e À organizam auilo é uma balbúridia. cada um faz o que quer, os prazos não se cumprem, não temos condições de trabalho. Há o exemplo ridiculo, de um anos, em que as entregas estenderam-se para além da meia-noite e tiveram de ser feitas na rua, porque à meia-noite, impreterivelmente, a escola fecha, aconteça o que acontecer. E quando pagamos mensalidades altissima, não são estas as condições que deveriam existir. Uma escola de arquitectura em que apenas uma sala tem estiradores, não nos pode exigir as proprinas que exige. E os exemplos poderiam continuar por aqui fora.


e pronto, aqui ficam algumas ideias do que é a ESAP! Agora com o passar do tempo, já não penso na ESAP como Inferior à FAUP, cada vez menos, a escola de onde vimos interessa. E só ca em Portugal isso acontece, lá fora ninguem quer saber onde nos formamos, desde que o nosso trabalho seja bom!

****

Pablo Chicasso disse...

gostei deste comentário. penso k disseste coisas importantes e achei especialmente interessante as vantagens k retiram do contacto com outros cursos. é algo de que sinto falta embora não seja da responsabilidade da FAUP mas sim da UP, mais concretamente, da distribuição física das suas faculdades. Penso que essa é a maior desvantagem que a UP nos impõe.