Parece que ultimamente me ando a revoltar com
imensas coisas mas não é bem verdade. Ultimamente ando apenas com tempo,
vontade e disponibilidade mental suficientes para escrever sobre as coisas. A
ver se ganho o hábito de combater a preguiça.
Baseio a minha posição na ideia de que a orientação sexual não
define, em si mesma e por si só, quem quer que seja; diria ser apenas mais uma
característica do indivíduo, tão definidora como a cor dos seus olhos, sem
implicações existenciais latentes.
Parece-me, portanto, algo estranho que na defesa desta mesma ideia se
constituam grupos manifestamente autónomos da sociedade em geral. Se é a
integração e a igualdade que se defende, espanta-me que essa defesa aconteça num regime de uma certa auto-segregação, através da colocação de uma ênfase tão
acentuada nas diferenças que se pretende relativizar.
Em certo sentido, a
própria existência de uma comunidade LGBT, da forma como se apresenta e
interage, pode parecer incoerente. Obviamente que me parece positiva e natural a
existência de grupos organizados de pessoas com interesses em comum, no mesmo
sentido em que há clubes de xadrez e confrarias do vinho do Porto. Neste caso, é
evidente, acrescem as possibilidades de apoio e informação, que continuam a ser
úteis, mesmo actualmente (sobretudo, diria eu, devido à ainda escassa
existência de referências não-heterossexuais de um forma generalizada, embora
comece a sentir uma certa e mais clara tendência para abordar o assunto de
forma menos complexada e complexizante [que é uma palavra que aparentemente não
existe mas eu acho que devia!], por exemplo em séries e filmes). Mas ainda
assim, a ideia de gay pride, escapa-me. Porque raio hão-de os gays (no caso, os
LGBT’s em geral) ter mais orgulho em si do que os heterossexuais? Em que medida
pode uma orientação sexual – seja ela qual for – fazer de alguém melhor, mais
merecedor de respeito, orgulho e admiração? Não é, aliás, contra essa distinção
que eles se manifestam? (E digo ‘eles’ por não me sentir parte de uma
comunidade cuja bandeira perante a sociedade parece assentar mais nas
diferenças que pretensamente pretende abolir – e que eu acredito nem sequer
existirem – do que na aplicação dos princípios de inclusão que dizem defender;
a própria identificação como LGBT – lésbicas, gays, bissexuais e transgenders –
é, logo a priori, exclusiva!)
Sinto quase como se se tivesse passado do 8 para o 80, da discriminação de
não-heterossexuais para a discriminação de heterossexuais quando, afinal, o
princípio reprovável é o mesmo. (haver bares gay onde um hetero, por ser
hetero, se sente desconfortável é um resultado irónico mas muito pouco
respeitável da parte de quem passou décadas a queixar-se de falta de à-vontade
em bares em geral.)
No fundo, a minha questão é tão simples como isto: como pode alguém exigir
ser tratado como igual agindo de maneira diferente? Ie, gostar de alguém é gostar
de alguém; homens e mulheres são, nesse sentido, equivalentes, portanto gostar
de uns, de outros ou de ambos não é, para mim, agir de forma diferente. Daí a
minha dificuldade em perceber a insistência e a necessidade de afirmação LGBT
(os dias de hoje já não são os de ontem, convém notar! hoje já não creio que se
justifique) que, em certa medida, fomenta ela própria a perpetuação de
diferenças que, de novo, defendo não existirem.
9 comentários:
Quem nos faz como somos?
Quando penso que a homossexualidade foi considerada patologia e tratada em hospitais psiquiátricos com choques eléctricos e que cheguei a assistir a estes tratamentos no Conde Ferreira na década de 80...
Penso que isto da orientação sexual é um continuum, em que numa das pontas teremos os 100% homo, no outro extremo os 100% hetero e pelo meio uma variedade enorme de orientações sexuais, passando como é óbvio pelos bissexuais.
Aquilo em que acredito completamente, é que somos capazes de gostar de pessoas, ponto final. Creio que iremos caminhar para uma bissexual.
E como dizia Fernando Pessoa «Ser plural como o universo».
(devo dizer que penso o mesmo das feministas... acho-as umas hipócritas quando pedem a igualdade e acabam por, tal como o nome indica, serem uma versão feminista de um machista... por achar que na verdade devia haver mais direitos para as mulheres. suponho que terá sido preciso esse orgulho que referes, esse "gay pride" quando a sociedade precisava de um choque, de ser abanada nos seus preconceitos e aceitar que havia muita gente assim e que estavam fartos de serem recriminados. Mas agora, como referes e bem, não percebo qual é a necessidade... a não ser perpetuar essa diferença)
Estou plenamente de acordo!
Não entendo a necessidade de discriminação se não como insegurança de si mesmo perante o mundo exterior a si mesmo.
É assim que entendo desde que alguém,na minha juventude disse, numa conversa como esta, que os machistas são-no porque têm necessidade de mostrar a virilidade que duvidam ter.
Sim, porque também é preciso ser-se viril para ser homossexual ou mulher ou homem.
Zé do Boné
Quase a propósito:
É por isso que há arquitectos que são contra os bairros (seja lá do que for). Porque não há maior riqueza na Natureza do que a diversidade.
Zé do Boné
Como não tenho nada a acrescentar ao que foi exposto com tanta clareza e correcção, senão apenas que concordo, vou comentar outra coisa. Uma vez que existe o verbo complexificar, o adjectivo correspondente seria complexificante. ;)
O Pessoa sempre me pareceu um gajo altamente! :)
Quanto ao meu neologismo, eu perdi na verdade uns bons 10 minutos a debater-me sobre a questão e a verificar coisas no dicionário. Optei por complexizante e não por complexificante, porque complexificar significa tornar complexo, quando o que eu queria dizer era tornar complexado. :P
Obrigado pelos comentários! :)
concordo plenamente! vinha falar de feministas e racismos mas vejo que já abordaram de tudo um pco.
resta-me apenas:
o raio da bandeira! ...ék é mesmo feia!! puorra!! xD
Oh, e não. :P No sentido em que pretende incluir as "cores" todas é um símbolo bastante pertinente e eficaz! Eu gosto do arco-íris. Embora, lá está, a bandeira actualmente acabe por significar mais "todos diferentes" do que "todos iguais". [até há uma bandeira bissexual, que foi uma descoberta que me fascinou. É que... para quê?]
"Everyone is different. The problem is most people want to be the same."
[Relatório Kinsey]
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