06 setembro 2011

Da retenção da informação


Desde há uns tempos que estou para escrever sobre uma situação que me irrita bastante e que me parece estar muito mal explicada. Aparentemente, vai ser hoje.

Já toda a gente viu uma daquelas reportagens de rua que as televisões volta e meia gostam de fazer, em que fazem perguntas de cultura geral às pessoas, e depois extrapolam acerca da ignorância e desinteresse da população, com o esperado destaque para “as gerações mais novas”, que são assim apresentadas como cada vez mais desligadas da realidade.
É uma conclusão que eu compreendo, porque efectivamente ouve-se muito disparate por aí, e até certo ponto até costumava subscrever essa ideia de que o futuro está um bocado perdido. Porém, a dada altura pensei: ‘espera lá… eu também não saberia responder a isto!’, e considero-me um jovem minimamente informado e atento. Aí comecei a sentir-me extremamente mal, a pensar ‘ai que vergonha!’ e com medo de alguma vez ter de responder a alguma coisa em público. Entretanto pensei mais a sério no assunto, e afinal não acho que me deva sentir envergonhado se não souber quem foi ou o que fez não-sei-quem.

Eu nasci na geração da informação; a minha geração (e as seguintes) é permanentemente bombardeada com quantidades de informação que não consegue – não é não quer, é não consegue! – reter e gerir. É humanamente impossível. Como consequência, a minha geração desenvolveu outras capacidades, e aprendeu a trabalhar com outras ferramentas para tornar esse processo exequível. Diga-se o que se disser, a internet funciona como fiel depositário de tudo quanto é informação, e permite-nos, sempre que necessário, aceder com eficácia àquilo que nos é solicitado. Sim, claro que há muita tralha na internet, claro que há muita desinformação a circular, mas diria que estas gerações já têm as ferramentas que precisam para questionar o que lêem, para não acreditar em tudo à primeira, para cruzar e confirmar/validar informação, quando assim entende necessário. Parece-me, aliás, que os problemas relativos à qualidade/validade da informação são os mesmos desde sempre – lá porque as coisas estão escritas em livros isso não as torna necessariamente correctas, há erros históricos, há imprecisões, teorias baseadas em erros… -, a diferença é que agora existe uma estupidamente maior quantidade de informação estupidamente mais disponível.

Posto isto, é-nos inevitável criar uma memória muito mais selectiva, que nos permita manter em acesso imediato apenas aquilo que, a cada momento, vai sendo realmente relevante para nós – parece-me lógico que ao ter de abdicar de coisas, abdiquemos das que nos dizem menos – sem que isso ponha em causa a capacidade de utilização de outra informação, consultada quando pertinente.
Há noções gerais importantes, nomeadamente históricas, mas creio que, no imediato, ter apenas uma noção do tema geral em que se insere o tal Sr. não-sei-quem, não é uma heresia assim tão reprovável. Porque objectivamente, ele pode ter sido muitíssimo importante, mas a utilidade prática dessa informação no meu dia-a-dia é perfeitamente nula. Se precisar mesmo de saber mais pormenores, então vou procurá-los e 30 segundos mais tarde já sei tudo o que preciso. Mas até lá esses pormenores não me são imprescindíveis.
Esta situação não faz da minha geração ignorante nem desinteressada (há gente ignorante e desinteressada em todas as gerações!), faz dela apenas uma geração com critérios de escolha e retenção da informação distintos, e adequados às circunstâncias em que se inserem.


18 comentários:

Pablo Chicasso disse...

Tem piada que ainda hoje estive a mostrar o vídeo do Sir Ken Robinson (postado por Voltaire há já algum tempo) a um rapaz de Lisboa que está aqui em Erasmus a fazer mestrado em Informática, começou a estudar saxofone há 6 meses e desde então questiona o seu futuro.

Tudo isto me contou ele a mim, porque, como diz o provérbio: o que não contas ao teu amigo, o que não contas à tua mulher, conta-lo a um estranho numa estalagem.

(e agora, se não se importam, vou confirmar na wikipedia o que se comemora no 10 de Junho porque me perguntaram hoje e respondi mas sem grande certeza).

j. disse...

Orlando, já te disseram que escreves muito bem?

Quanto ao que escreveste, concordo. Mas, ao mesmo tempo, discordo. Conheço algumas pessoas da nossa geração que invejo. Porque sabem realmente muita coisa, lêem muito, vêem muito. Muito mais do que eu gostaria. Não consigo, porque sou preguiçosa.

Voltaire disse...

lá está, ia remeter-te para o video do Sir Ken Robinson, ele refere todos os pontos em que tocas ;)

http://arteportodaparte.blogspot.com/2010/11/blog-post_19.html

de qualquer das formas eu acho que o "saber nunca ocupa lugar" nem k seja apenas para enriquecimento pessoal

OGC disse...

Questionar o futuro é fixe! :P Assustador. Mas fixe. :)
(boa, já fizeste um amigo! :))


j., neste registo não costuma acontecer (e o outro encontra-se há algum tempo em parte incerta...). Obrigado! :)
Percebo essa inveja. Mas sabes quem invejo ainda mais, mais de dentro? Os verdadeiramente ignorantes. 'Ignorance is bliss.' Tem dias. :P

OGC disse...

Ah, o teu comentário ainda não estava aqui quando abri isto, Sérgio!

Ai, eu acho que ocupa! lol. Acho mesmo que andamos muito sobrecarregados, não propriamente de 'saber' (ie, conhecimento, sabedoria), mas de dados, de informação, de tralha dispersa. Acho que isto ocupa menos espaço se estiver devidamente organizado (se se tornar 'saber', lá está), mas tenho mesmo dificuldade em lembrar-me de todas as coisas que quero/preciso! Não dá para tudo!

OGC disse...

(fui rever o vídeo e reparei no meu comentário a dizer que um dia havia de comentar! xD Isto conta? :P)

Anónimo disse...

Sobre esta observação [excelente!] que pões, deixa-me dar-te duas pistas que, só por si acentuam, sublinham a justeza do teu raciocínio (que, ainda assim, tem algumas - naturais - imprecisões, quase irrelevantes.
1 - Embora escrito no séc. XIX (!) o livro que estou agora a ler (vou no 2º capítulo), tem, precisamente nesse capítulo, reflexões que encaixam perfeitamente no que escreveste, porque o que escreveste tem IMENSO a ver com um tema muito em causa na actualidade. O livro chama-se "Sobre a Liberdade" e o autor é John Stuart Mill.
2 - O Raúl Solnado disse uma vez, num debate, que "a culpa é da televisão a cores", querendo salientar que a televisão estupidifica, quando as pessoas aceitam tudo o que lá vêem. E aquilo (a TV) é tudo MANIPULAÇÃO!! (menos os jogos do Porto, carago).
3 (afinal há um terceiro ponto) - Se houver alguém que encontre uma edição (mesmo em francês) do(s) livros escritos como "transcrições" (entre aspas porque não são bem transcrições) dos debates entre o Daniel Cohn Bendit e o Jean-Paul Sartre durante a crise académica de Maio de '68 que me diga onde posso obtê-la, ou que ma empreste [juro que a tratarei com mil cuidados]. Porque uma das questões aí abordadas era precisamente que os estudantes se batiam por um ensino menos tecnológico, mais humano (humanista) e nais voltado para a constituição de um SABER nas pessoas em vez de um CONHECIMENTO.

Um abraço do Zé do Boné

Raquel disse...

Qual é o video e em que mês se insere? ( O video que o Chico e o Sergio falam:)

OGC disse...

O Sérgio deixou link, no comentário dele! *

OGC disse...

Zé, muito obrigado pelo comentário!

Já não é a primeira vez que falas desses debates entre o Daniel Cohn Bendit e o Jean-Paul Sartre! Dei uma olhadela na net, e a única coisa que encontrei deles foi o artigo "Germany Yesterday and Today: A Discussion with Jean-Paul Sartre, Alice Schwarzer and Daniel Cohn-Bendit". À parte isso não encontrei mais nada que mencionasse os dois nomes!

Quanto ao John Stuart Mill, que eu não conhecia, também espreitei a wikipedia (muitíssimo ao de leve), e fiquei com vontade de ler esse livro! Vamos falando, se quando acabares mo quiseres emprestar eu agradeço! (espero não me estar a meter numa alhada de milhares de páginas!) :)

Anónimo disse...

Ó OGC
terei muito gosto de to emprestar, mas, se quiseres adquiri-lo já basta ires à loja do jornal Público procurar pelo nº 22 da colecção "Livros que Mudaram o Mundo" [e, já agora, pelo nº 7, já que o método de questionar o conhecimento do Sócrates - o Grego antigo!) é citado no do JSM].
Acabei há pouco de escrever algumas frases mal alinhavadas para esclarecer o meu texto de ontem, mas ficou muito comprido. Vou guardá-lo para to mostrar quando nos encontrarmos, se...
A melhor forma que encontrei para (de uma maneira muito fraca) sintetizar o que queria dizer foi arrebanhar estas citações (que - lá está - só funcionaram no sentido pretendido se houver pensamentos elaborados a partir/à volta delas). São todas atribuídas (lá está, fui pesquisar à net, não as li em obras dele...), mas isso até não é importante:
1.- O conhecimento só se adquire pela experiência, tudo o resto é apenas informação [já o Luís Vaz de Camões tinha escrito há quinhentos anos que "mais vale experimentá-lo que julgá-lo". Embora se referisse a uma pequena parcela do conhecimento humano há estudiosos da sua obra que tomam aquela frase como a afirmação do espírito do Renascimento (o que, não sendo descabido no resultado, parece excessivo dado o contexto...]
2.- O que é importante é não pararmos de questionar. A curiosidade tem a sua razão de ser.
3.- Poucos são os que vêem com oseus próprios olhos e sentem com os seus corações.

Podia ficar aqui durante muito tempo, mas fico-me por vos deixar os endereços onde as encontrei:
wij.free.fr/eMMeM/einstein.html
pt.scribd.com/doc/4107190/Albert Einstein

Um abraço do Zé do Boné

OGC disse...

Fico à espera então de oportunidade para ler esse texto. :)

(o primeiro endereço dá um erro!)

Pablo Chicasso disse...

Penso que o que o Orlando queria dizer com "excesso de dados" era "excesso de estímulos" (em quantidade e diversidade).

Sim, perdemos capacidade de concentração e de memorização. Se não estou no Skype à hora habitual a minha mãe desespera. Nós estamos habituados a não ter resposta a um sms, a mudar o sítio daquele jantar à última hora, a mandar um e-mail enquanto conversamos com alguém no café. Descobrimos mais intuitivamente como trabalhar com uma nova tecnologia. Aprendemos a viver com a incerteza e a adaptarmo-nos.

Sim, perdemos em concentração mas ganhámos em atenção dispersa. Aprendemos a ler e a pensar em hipertexto - o texto descontínuo.

Somos impacientes. Se o Chrome me diz "Downloading. Estimated time: 8 min." parece-me uma eternidade. Mas por outro lado, se a massa que eu estava a cozinhar demora 8 min. a cozer, quantas coisas não posso eu fazer nesse tempo?

Em que outra época foi possível estar a cozinhar um jantar em Barcelona, ler uns textos de uns amigos no Porto, ver onde fica o Ikea mais próximo (e tomar conhecimento de uma promoção), ir acabar de cozinhar o jantar e comê-lo e voltar para comentar os referidos textos?

Por fim, tudo será como sempre foi. A inteligência estará em ser capaz de reconhecer as suas capacidades e tirar delas o melhor partido.

[já agora a cerca da inveja: e que tal querer saber mais mas estar feliz por aquilo que se sabe e se vive? Cada um sabe de maneira irrepetível. Nos dias de hoje, e por causa dessa quantidade de estímulos, o mais importante é a cooperação]

Psinocas disse...

Não posso estar mais de acordo com esta definição de inteligência, como a capacidade de tirar partido das aptidões que se possui, mas sobretudo da possibilidade de adaptação, acomodação e integração das novas vivências experienciadas, de forma harmoniosa.
É isto que faz de um analfabeto inteligente e de um licenciado asno...

Anónimo disse...

Desculpa OGC. pus um "l" a mais no fim e estraguei tudo. copiado da barra de endereços veio assim:
http://wij.free.fr/eMMeM/einstein.htm
Diverte-te. E nota que também nestas coisas há que fazer selecção. Há uma citação nestes sítios que é esta: "Si les faits ne correspondent pas à la théorie, changez les faits.". O Homem até pode ter dito isto, mas creio que só por brincadeira, porque contradiz o cerne do processo do conhecimento científico: observação, ... tese,... experimentação (para verificação).

E obrigado por esta troca de palavras com ideias. Por tua causa lembrei-me de um livro que fez furor quando foi lançado, em 1980 do século passado e antecipa os tempos actuais (se a memória não me falha quanto ao que, então, ouvi dizer..., porque não o li). Mas vou ler. Lleva por titolo "A TERCEIRA VAGA". O autor é Alvin Toffler. Foi muito badalado e os nossos "iluminados" governantes e gestores fizeram prova de que o Einstein tinha razão ao dizer "Un homme qui lit trop et qui fait trop peu d'efforts cérébraux prend vite des habitudes de paresse d'esprit." e começaram a papaguear as ideias (desconfio que sem terem lido o livro, pelo menos com atenção...) e a querer implementar as ideias deles sem qualquer reflexão quando à possibilidade de se adaptarem ao País. Encontrei-o, já o tenho à minha beira e vou transcrever o 1º parágrafo da "Introdução": "Numa época em que terroristas se entregam a jogos de morte com reféns, em que as moedas declinam entre rumores de uma terceira guerra mundial, em que as embaixadas são incendiadas e tropas de choque atam as botas em muitas terras, olhamos horrorizados para os grandes títulos. O preço do ouro - esse sensível barómetro do medo - bate todos os recordes. Bancos tremem. A inflação campeia, descontrolada. E os governos do mundo estão reduzidos à paralisia ou à imbecilidade."
Que tal?
Um abraço do Zé do Boné

Anónimo disse...

Tenho-me lembrado muito, nos últimos dias, de S. Tomé e da questão da fé. Não da Fé. Só da fé, apesar de sentir que, no essencial, são a mesma coisa.
No caso é por causa de um pequenino pormenor da informação, seja ela de que tipo for, mas, sobretudo quando nos é apresentada como notícia.
Ainda me lembro que aprendi na tropa que uma notícia era uma informação confirmada junto de várias fontes independentes. (E aqui começa a ramificação para outros aspectos: o que é ser independente).
A consulta de fontes (origens de informação) distintas e independentes visa expurgar aquilo que agora se chama genèricamente "ruído" [coisas que vêm juntas, mas não interessam ou que nos levam - involuntáriamente ou intencionalmente - a aproximar-nos de um determinado ponto de vista].
Os Gregos estabeleceram que um bom orador tinha de saber usar os três princípios da Retórica:ethos; logos; pathos. Estas três palavras estão associadas a três conceitos que, curiosamente ou não, têm estado um bocado arredados dos nossos oradores e da informação que recebemos: ética, logica e emoção (podia ser paixão, mas...).
Para lá de termos de ter atenção às fontes da informação, também temos de ser analíticos (=críticos) relativamente à forma como a informação nos é transmitida.
Gostava muito de vos pôr aqui dois artigos publicados hoje no Público a págs. 22-23 e 39. Mas não sei por aqui ficheiros pdf. O Chicasso tem-nos, como parte do ficheiro que lhe mandei como recortes do jornal. Se ele puder mandar-vos por correio electrónico era bom.
Um abraço do Zé do Boné

Carolina Búzio disse...

Soube bem ler o teu texto! sinto que na era da informação, quem tem memória é rei... mas a verdade é que outro "daVinci" será difícil de encontrar. Neste momento há tanto conhecimento a circular, que por vezes pode ser algo perturbador... e quantas vezes não fico a saltar de site em site a ver coisas (porque é importante ver e conhecer antes de fazer) e quantas vezes acabo por não fazer de facto nada...
No entanto, tenho de facto de concordar com a j.
Há gente que invejo, que consegue memorizar muito mais coisas que eu. Mas se calhar não devíamos estar angustiados com a ideia de não conseguir reter... apesar de tudo podemos considerar-nos sortudos por termos tudo tão "à mão".
(desculpem-me se este comentário foi algo errático... muitas coisas a surgir e pouco tempo para as escrever).

OGC disse...

Uau, não estava à espera de tantos comentários! :D Obrigado!

(Chico, manda vir os pdfs!)