10 março 2007

Fundamentos

"Não acredito na liberdade total do
artista. Deixado à sua sorte, livre para fazer aquilo de que gosta, o artista acaba
por não fazer coisa nenhuma."

Federico Fellini (1920-1993)


12 comentários:

Pablo Chicasso disse...

Para mim, Fellini tem razão naquilo que diz. O artista não deve nunca esquecer as exigências do seu público. Uma arte exageradamente conceptualista que agrade apenas ao seu criador ou a um círculo próximo de si muito restrito não serve.
Pessoalmente adoro trabalhar com um objectivo bem definido (p.e. uma encomenda) e agradam-me os prazos. Se tardam em aparecer as musas teimosamente, basta apertar-me o tempo que logo me surge inspiração.

OGC disse...

Não concordo. [pa variar! ahaha!:P]
O que procuro na arte, na criação artística, é algo de libertador. Uma forma de catarse. Um meio pelo qual eu possa exprimir-me e compreender-me a mim mesmo. Não espero ser compreendido por quem me rodeia. Não crio, à partida, com o objectivo de agradar.
E não consigo trabalhar só porque o prazo está a chegar ao fim. Há dias em que simplesmente não sai nada e se tiver de deixar uma tela a meio durante 3 meses, fá-lo-ei - aliás, como sabes, já o fiz, em Oficina de Artes.

Também sou de opinião de que as grandes modificações que a Arte tem vindo a sofrer ao longo da história - tenham sido boas ou más, não é isso que está agora em questão - não foram impulsionadas pelos pintores por encomenda, mas sim pelos que clamaram a sua independência artística e quebraram as regras, chocando tudo e todos.

Anónimo disse...

«O grande público é incapaz de se adaptar ao espírito inovador, peculiar à arte, pelo qual sente viva repulsa. Aceita passivamente a rotina, sem admitir qualquer possibilidade de contestação, pois ela representa para ele, um refúgio cômodo e seguro. Dessa incapacidade resultam preconceitos de toda ordem, condenando e ridicularizando todo artista que se entrega ao trabalho de investigação.»

Esta afirmação é de Rino Levi e foi publicado pela primeira vez pela revista francesa L'Architecture d'Aujourd'hui nº 27, em Dezembro de 1949.

Força jovens. Viva a liberdade.

Anónima Atenta

Anónimo disse...

Não é só o artista - é qualquer pessoa!.
A única coisa absoluta é a relatividade.
Das coisas, da aplicação dos conceitos.
A "liberdade total" só pode ser entendida como abstracção, ou, se quiserem, como "linha do horizonte".
Se uma pessoa tiver liberdade "para fazer aquilo que gosta" acaba por se entregar ao que lhe dá mais prazer - e, normalmente, isso está nos antípodas do trabalho...
E, também na maioria dos casos, na relação com os outros, a "coisa" descamba para a desordem, o caos, o oposto do belo...
As pessoas devem ter SEMPRE um TEMA (um OBJECTIVO) - e isso pode ser visto como uma "ENCOMENDA" -.
O artista deve entrar em diálogo com o público (seu ou dos outros, pouco importa...), mas também não deve sujeitar-se ao público, assim como não deve desprezá-lo. Na primeira hipótese tende a ser pimba (já que o grande público aceita a rotina... - cfr a citação do Rino Levi noutro comentário). Na 2ª pode ser o supra-sumo da vanguarda actual e futura da cultura mais adiantada à face da Terra, mas a sua mensagem não chega onde devia...

Mas é claro que a criação é libertadora. Por que faz com que o criador se sinta mais livre...

Pablo Chicasso disse...

Acho que estamos a chegar a certas conclusões. realmente eu vejo a arte como forma de comunicação e a comunicação tem de ser adaptada ao receptor. de que serve a mensagem se não pode ser entendida? de que serve a obra de arte se não pode ser desfrutada?

Isto não impede a inovação. a negação da total e absoluta liberdade do artista não implica o estrito seguimento de academismos para todo o sempre.

Quanto aos prazos penso que podem ser uma boa forma de motivação para terminar determinadas obras. P.e.: o filme que eu recentemente tenho trabalhado para Oficina de Artes estava parado, sem ideias há algum tempo (certamente lembras-te disso, Orlando). O facto de saber que o prazo se aproximava do fim fez-me completar o storyboard em apenas uma tarde. Não estive a espremer a cabeça nem a "forçar" a história. simplesmente surgem-me mais ideias se souber que o tempo está a acabar.

A respeito de outras restirções posso dier que são excelentes estímulos para a creatividade. P.e.: na cena da peça de teatro a partir do poema "A Invenção do Amor" em que entrávamos a representar políticos eu tinha pensado entrar com o meu banquinho (imitávamos um bocado o speakers' corner) e por-me mesmo em frente de um dos meus rivais para o tapar do público. A professora e, naquele caso, encenadora disse que não senhor aquilo assim não podia ser e eu que fiz questão de entrar de uma maneira diferente dos outros saí-me com a ideia de entrar a cumprimentar o público todo cheio de acenos sorrisos e apertos de mão numa mistura de G. Bush com Paulinho das Feiras. Se não tivesse havido aquela restrição eu não teria tido esta ideia e a minha personagem não teria tido uma estruturação tão sólida.

As adversidades, na justa medida, ajudam-nos a superar-nos. É um pouco como as plantas: também precisam de ser podadas.

OGC disse...

Acho que já consegui perceber o teu ponto de vista. Continuo a preferir não ter restrições, mas reconheço que por vezes, estas podem ser estimulantes.

Agora, Zé do Boné, acerca do caos ser 'o oposto do belo', sou obrigado a discordar.
Como se pode ler em comentários a artigos anteriores, eu sou apologista do caos como elemento criativo.
Acho que corresponde a um novo padrão de beleza, que não será propriamente o renascentista. Será talvez mais actual, na minha opinião, mas adequado ao que a envolve, à sua circunstância.
Não acho, contudo, que um ser desproporcionado, aberrantemente colorido, ou quase abstracto, não possa ser considerado belo.

Anónimo disse...

Antes de mais nada peço ao Orlando que me desculpe por não conseguir expressar correctamente as minhas ideias. Até porque não sou de artes. Mas estou curioso e, POR VOSSA CAUSA!, comecei a ler "umas coisas" relacionadas com arte, o conceito de Beleza e coisas que tais.
E em todos os textos que li até agora me ficou a ideia da existência da predominância - ao longo da História - de uma oposição entre a Luz e a Escuridão, ou entre a Ordem e o Caos, entre o Belo e o Feio, entre Apolo e Dionísio...Ou entre The Dark Side of the Force e o Bright Side of the Force....

E também fui construindo a ideia de que a Luz, A Ordem, a Harmonia, Apolo, a Beleza são o caminho para atingir a perfeição - um pouco como a "linha do horizonte" que buscamos sem nunca atingir. E que o caminho correcto é o que se vai construindo a partir do caos até à perfeição

Porque não te entendo quando dizes que és "apologista do caos como elemento criativo" fui procurar a definição de "caos" e o que encontrei foi isto:
- confusão de todos os elementos, antes de se formar o mundo;
- grande desordem;
- babel;
- balbúrdia.

E peço-te que me expliques o que queres dizer, poi julgo que estamos em níveis diferentes de conceito. Será isso?

Anónimo disse...

Para completar o comentário anterior, lembrei-me, agora, de um quadro que tive a oportunidade de ver ao vivo e é ABSOLUTAMENTE FABULOSO, para ilustrar o que escrevi:
os painéis do Hieronimus Bosch que por fora têm "o 3º dia da Criação" e, no interior, " O Jardim das Delícias Terrenas" ladeado pelo "Jardim do Éden" e pelo "Inferno".

Por fora tons pesados: preto e cinzento - com o branco a realçar aspectos. Por dentro o Paraíso e o Jardim das Delícias, com luminosidades diferentes - mas luminosos! - e o Inferno em tons escuros...
E o Éden distingue-se do Jardim das Delícias porque neste é patente uma grande desordem (caos?, como no Inferno...
E no entanto o conjunto é extremamente belo.
Mas estamos a "ver" o caos em situações distintas - o quadro é apenas uma representação. Tenta criar em nós (observadores) a IDEIA do Caos - independentemente de cremos ou não na existência de algum ser (ou Ser) que tenha criado o mundo e/ou nos ameace com o castigo eterno se não nos "portarmos bem"...

OGC disse...

Sim, talvez estejamos a níveis diferentes do conceito. Mas não do conceito de caos, pois o meu dicionário diz, penso eu, mais ou menos o mesmo.
Já o conceito de belo, e independentemente do que as definições possam apontar, é, a meu ver, um conceito de extrema subjectividade.

[Até aqui acho que concordas comigo, Zé.]

Partindo desse princípio, não entendo qual é a dificuldade em perceber que o que é "o oposto de belo" para ti, não o seja para mim. Seja em relação ao meu jardim, seja em relação ao caos.
Claro que percebo, e muitas vezes sou também apologista desse 'belo' renascentista ao qual já me referi. Só não acho que a 'beleza' se esgote aí. Defendo que, como diz o ditado, "a beleza está nos olhos de quem vê", de quem sente, acrescento.
Assim, considero que o caos é belo e, como tal, inspirador para mim.
Sobre a relação que citei entre o caos e a criação, a criatividade, não tenho muito a acrescentar. Como tu próprio disseste, o caos é o que há antes da criação - do mundo e, digo eu, consequentemente, de tudo o resto. É a amálgama de ideias, de formas, de elementos mais ou menos abstractos, que pairam em nós até que os ordenemos. Com o objectivo de produzir, de criar, algo belo. Harmonioso. Ou igualmente caótico.
Por isso acredito que todas as obras ditas 'belas' segundo o ideal de beleza que defendes, partiram desse elemento, que é, dessa forma, indiscutivelmente criativo.

OGC disse...

Sobre o facto de andares "a ler umas coisas" "por nossa causa", fico muito contente. Por contribuirmos para o crescimento da tua pessoa. Por contribuirmos para a divulgação e proliferação da Arte. Pois esse é, agora e sempre, o objectivo deste projecto.

Anónimo disse...

Olha Orlando.
Li num dos comentários anteriores que os gregos tinham uma escola filosófica chamada de "dialécticos" - creio que era por acreditarem que haveria em cada coisa o seu contrário - por exemplo: li em algum lado que o Heráclito teria proferido/escrito estas palavras “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”.
- Ao que parece os gregos estavam a formular uma dos princípios mais extasiantes da ciência - pelo menos para mim - que estão, AGORA!, a ser confirmados pela Física Nuclear no ramo da física quântica (neste ramo da física que está a ser estudado há bem menos que 100 anos, a ideia é até um pouco mais complicada: uma "coisa" É e NÃO É, ao mesmo tempo!!!!).

Quer dizer, então, que o Caos pode ser Ordem e vice-versa (ou, pelo menos poderemos dizer que se contêm um ao outro).

Se calhar o que verdadeiramente os distingue é algo que se pode chamar "dinamismo", "pulsão de vida", o "impulso vital"- e cá vai mais uma citação de um dialético: “O botão desaparece no desabrochar da flor, e pode-se dizer que é refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta, e o fruto surge em lugar da flor como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem mas se repelem como incompatíveis entre si. Mas a sua natureza fluida as torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica no qual não somente entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente quanto outra; e é essa igual necessidade que unicamente constitui a vida do todo”. HEGEL, in A Fenomenologia do Espírito.

E lembro-me de que foi por ser Ideia dominante que a Ordem não poderia ser alterada que se perderam séculos de desenvolvimento em todos os níveis (refiro-me à Idade Média - a propósito, leste "O NOME DA ROSA"?) E também de vários GÉNIOS que assim foram considerados por terem rompido com a Ordem.(Neste aspecto, então, a falta de liberdade - que é a obrigação de cumprir as regras da Ordem estabelecida/aceite) - pode ser motivadora da criatividade do artista. Seria a isto que o Fellini se estava a referir? - Então seria muito útil saber em que contexto a frase foi proferida!

E também me lembro, agorinha mesmo, de que, em todas as imagens que vi de "ateliers" de artistas a Ordem é coisa que não está, aparentemente, lá.

Há uma coisa em que estamos de acordo: "PARAR É MORRER" - a sabedoria popular a mostrar que a "cultura" não precisa de grandes frases arrevesadas para dizer coisas importantes.
O princípio saudável é que deveremos estar sempre em movimento (=evolução). O imobilismo (deitar-se à "sombra da bananeira") é prejudicial, castrador.

(desculpem-me - alonguei-me demais...)

un dress disse...

não concordo. a arte compulsiona.

empurra...

se o artista nada faz...é porque não o é...ou então...

será que toda a arte tem que ser exibida?

será que tem??

beijos