12 outubro 2010

FILME DO DESASSOSSEGO

Fui ver no sábado o Filme do Desassossego, de João Botelho, e pediram-me que fizesse um comentário. Antes disso, porém, tenho a dizer que é mesmo engraçado assistir a um filme na sala do TNSJ! Independentemente do filme, o ambiente é logo completamente diferente. Mesmo com os batalhões de criançada habituais num qualquer blockbuster (estas, coitadas, deviam estar lá à custa do programa lectivo de Português, no secundário. Só lhes faz bem. Contribui para a disciplina? Não creio. Mas faz-lhes bem? Faz.). Felizmente ficámos longe dessa agitação e assistimos ao filme sem sobressaltos.



Eu gostei do Filme. Tanto quanto ele me pareceu um bom representante do Livro. Passo a explicar:
O Filme, enquanto filme, não me pareceu, em si e só por si, nada de maravilhoso; é longo, pesado, confuso e cria as condições necessárias para que seja fácil que deixemos de saber a quantas andamos. Isso angustia. Pelo menos a mim. É um filme extremamente difícil. (o professor que achou que seria mais fácil dar Pessoa depois de mostrar este filme ao alunos vai ter uma bela surpresa nas aulas.)
E assim é o livro. O Livro.

Parece-me, no fundo, que o João Botelho escolheu belas imagens para ilustrar o texto, que fez, para mim, o trabalho quase todo. Dessas escolhas tenho apenas a fazer dois comentários:

1. As cenas cantadas (que percebo serem uma quase "necessidade cinematográfica" para cortar toda aquela densidade) perderam-se um bocado, ou perderam-me um bocado: sobretudo a cena da ópera naquela espécie de floresta: cena escusadamente extensa, onde o texto - que defendo ter sido a melhor parte do filme - pura e simplesmente não chegava, numa narrativa "à parte" do resto, onde quase me esqueci do que estava eu ali sentado a fazer;

2. Palmas, muitas palmas, de pé, à Catarina Wallenstein, que me deixou de boca aberta com aquele rasgo de genialidade na forma de dizer Pessoa, na cena da "educadora sentimental" (creio eu que era essa a designação na ficha técnica). Sim, senhor! Assim vale a pena.


"E pronto", da minha parte, para já é isto.
Para quem não conhece o Livro do Desassossego deixo o link para um post cá publicado em 2006 (uau!) sobre ele:

Espero comentários!


3 comentários:

j. disse...

O Livro não é um livro: é fragmentos. E o Filme também não
é um filme: é fragmentos.
«O meu estado de espírito obriga-me agora a trabalhar bastante, sem querer, no Livro do Desassossego. Mas tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos.»

O ambiente do Filme – o peso, a tristeza, o tédio, essa angústia de que falas, Orlando – é o ambiente do Livro.
Como escreveu o Pedro Mexia, trata-se de "um filme de textos", de quadros para as palavras.
E é tão lisboeta. É muito curioso reconhecer a Lisboa de Soares (e de Pessoa), na Lisboa de hoje que Botelho filma. Embora fantasiosa, Lisboa é em parte assim, como no Filme. E os novos táxis, e as t-shirts, e as calças de ganga, não afastam de todo o Filme do Livro.

Quanto ao teu ponto 1., tenho pena de concordar contigo. Embora essa cena da ópera seja importantíssima, perde-se e perde-nos um pouco, sim. Mas é muito interessante e fundamental para o arrancar do final do Filme. Parte do texto do Livro: "MARCHA FÚNEBRE PARA O REI LUÍS SEGUNDO DA BAVIERA". Este rei não tinha muito interesse pela política e dedicou-se ao apoio das artes. Foi patrono de Wagner — daí a escolha de Botelho pela ópera — e, sem o seu financiamento, não teríamos, por exemplo, o ciclo "O Anel do Nibelungo"! Para além disso, a figura do Rei é a figura de Bernardo Soares (e mesmo de Pessoa). Eduardo Lourenço escreveu sobre isso: «(...) a sua [de Pessoa-Soares] verdade-ficção, a sua dolorosa realidade de amante da Morte, de herói da impossibilidade de amar como o seu duplo e não menos wagneriano Luís Segundo, Rei da Baviera...».

2. Acompanho-te!

É muito difícil comentar o Filme. Tanto quanto comentar o Livro. Porque são um não-livro e um não-filme.
Para mim, o "Filme" é como o "Livro": é para rever muitas vezes, é para abrir a meio e ver isto e noutro dia aquilo, é lembrar-me deste trecho hoje e d'outro amanhã, é dar-lhe a ordem que quiser, a leitura que quiser. Claro que Botelho fez a sua leitura do "Livro" e fechou-a, de certa forma, no "Filme". Mas, mesmo assim, o "Filme" tem mil leituras e aposto que, se em cada dia, João Botelho pudesse fazer um "Filme", cada dia seria um "Filme" diferente.

Já me prolonguei.. É das noites lisboetas e dos convites do Orlando!

j. disse...

Quanto às questões técnicas, só me poderia pronunciar se revisse o filme.

Mas posso dizer que gostei muito da luz (especialmente nos momentos mais escuros do filme): acho que ilustram muito bem um sentimento constante no Livro.
E outra questão sobre a qual ainda tenho que pensar: é que Botelho quase nunca filma as personagens ao nível do olhar, com ângulo horizontal. Isto provoca – acho! – um certo distanciamento sobre as personagens.. Mas, por outro lado – acho de novo – aproxima-nos precisamente por ser estranho, esse olhar.. Boh.

OGC disse...

Carol?
Chico?
Zé?

Ninguém quer acrescentar nada?
(vá lá! :P)