29 abril 2012

Recentemente, encontrei, um pouco por acaso, num livro da Monique-Eleb os seguintes quatro pontos:


  • boa relação com o contexto urbano
  • tratamento dos espaços intermédios
  • qualidade da distribuição ou da organização interior, ou interesse de uma "inovação" distributiva
  • exploração técnica ou utilização de materiais inovadores

São os critérios segundo os quais as revistas de arquitectura avaliam os projectos de habitação que decidem publicar. Por outras palavras, são os critérios segundos os quais o "establishment" profissional avalia a arquitectura.
E são também os critérios segundo os quais nos avaliam na faculdade. Mas nunca foram feitos explícitos. Alguma vez nos perguntamos se é para isto que queremos canalizar os nossos esforços no projecto? Em nenhum momento nos foi dada a escolha, em nenhum momento elegemos conscientemente os nossos critérios.
O que fazem é ensinarem-nos boas práticas. Andamos a aprender a ser bem-comportados.

8 comentários:

psinocas disse...

A este propósito, gostaria de relembrar que a saúde mental resulta da integração social sem a desintegração pessoal.
Já agora que critérios propões?

psinocas disse...

...Bom , se com o teu comentário, pretendes pôr em causa paradigmas estabelecidos, concordo contigo.
«É mais fácil desintegrar um átomo , do que mudar um paradigma». Einstein

Anónimo disse...

Vamos lá a ver, por partes:
I.
1. Sempre que se faz uma escolha usam-se critérios de selecção. Pode ter-se consciência deles ou não. Pode ter-se consciência de que se está a usar critérios, ou não. A diferença está na "cultura". A entrevista ao ROB RIEMEN de pág 24 a 29 da revista "2" do Público de 29/ABR/2012é importante para perceber isso. Como quando, p.e.: ele diz (cultura) "No sentido de saber o que tem valor e o que não tem. São as obras dos poetas, dos pensadores, dos filósofos, dos artistas, são elas que nos podem por a falar alguma coisa do que tem significado e do que não tem. "
2. Não sendo arquitecto, e não percebendo nada de Arquitectura, não posso saber (dizer) se os critérios apontados têm ou não têm valor. Mas, mesmo assim arrisco escrever que um projecto arquitectónico terá mais valor(=significado) se tiver uma boa relação com o contexto (que será, em princípio urbano) e tratar bem os espaços intermédios (que eu, na minha santa ignorância, creio poder ser a envolvente imediata, mais próxima, da construção projectada). E, tendo por pressuposto que deve visar uma certa funcionalidade (mais ou menos contextualizada, também) valerá mais se a organização interior for consistente com a funcionalidade procurada, tanto mais ainda se a solução encontrada for inovadora (=sair da 'normalidade'). Quanto à "exploração técnica ou utilização de materiais inovadores" vêm-me logo à mente o Frank Lloyd Wright e o Corbusier e o Óscar Niemayer com o betão armado [que agora é comum, mas na época deles era um material novo.
3. Não estou de acordo com a tua referência ao "establishment" profissional. Confesso que não entendi bem o que queres dizer com isso, mas creio que estás a esquecer que a avaliação de obras de arquitectura feita por arquitectos é das actividades mais livres que existe na sociedade actual, até porque os prémios atribuídos por júris constituídos por ARQUITECTOS andam numa "banda de criatividade" que deixa de lado obras que podem, momentâneamente, fazer moda, mas que não passam de "mamarrachos". Agora, o que temos de ter sempre presente é que em qualquer agrupamento social haverá SEMPRE uns que [para citar o George Orwell] são "mais iguais que os outros". Quer dizer compete-te a ti, como INDIVÍDUO que precisa de SOBREVIVER (não só fìsicamente, mas também - e, no caso desta discussão - espìritualmente), estar atento ao sinais exteriores para usar o teu sentido de EQUILÍBRIO para encontrar O TEU LUGAR NO MUNDO [e, hoje em dia, é o sentido literal da expressão que conta].
(continua)

Anónimo disse...

(continuação)
Vamos lá a ver, por partes:
II.
4. Deixa-me agora tocar numa coisa que, de certo modo, te poderá ser/parecer dolorosa. Para mim é dolorosa. E já foi mais dolorosa que agora.
5. É aquela parte em que escreveste "Em nenhum momento nos foi dada a escolha, em nenhum momento elegemos conscientemente os nossos critérios." Fica sabendo que a primeira coisa que os teus pais fizeram foi encaminhar a tua vida sem que tu tivesses escolha. É claro que nos teus primeiros anos de vida não tinhas capacidade de escolha, mas tinhas impulsos que (também) não controlavas e vivias só para o prazer. Mas se os teus pais não tivessem sido cuidadosos na gestão dos teus primeiros 3 (vá lá, 5) anos, se não te tivessem ensinado "boas prácticas" e a ser "bem-comportado" e, sobretudo, se tu não tivesses notado que ias ganhando "coisas" por seguir o caminho que te foi sendo aconselhado, o mais certo teria sido (e estou apenas a admitir probabilidades, porque há muitas outras variáveis que poderiam ter afectado o teu comportamento de maneira muito diferente) que a tua vida tivesse seguido rumos menos (MUITO MENOS) interessantes e POTENCIALMENTE estimulantes.
6. Também a Escola (desde a primária) e o(s) ambiente(s) que frequentas(te) te molda(ra)m. Também tu e a tua consciênbcia de ti não é, agora, a mesma que ereis quando comessate a licenciatura. É até natural que agora que estás a atingir o grau de "Mestre" tenhas uma bagagem muito maior. E que questiones. Mas, acima de tudo o que importa é o que fica no fim da "obra" da tua formação enquanto pessoa. Tu és uma pessoa muito interessante, és inteligente, CULTO (puz em maiúsculas, porque este aspecto é muito importante; não foi para realçar este teu aspecto: não és único, nem o primeiro, nem o mais, nem o último) e tens uma coisa muito importante, cada vez mais importante no mundo actual: tens sensibilidade e ESPÍRITO CRÍTICO. Saber pensar por ti é muito importante. É o teu "pathos". Vai dar-te sofrimento, mas também alegrias. Embora o poder esteja, na maior parte dos casos - e infelizmente cada vez mais - na mão dos "tecnocratas" Tu tens já muitos e bons elementos para triunfar.
7. Todos os GRANDES (e os pequenos também, claro!) tiveram que viver nas mesmas "condições gerais" - chamemos-lhes assim - que te incomodam. O que os distingue (distinguiu) foi terem conseguido resgatar-se das limitações vigentes e fazer OBRA! Olha o J.S.Bach na música "espartilhada" de regras tão estritas, quanta música bonita fez! Ou o Picasso! Que disse: "Para mim não existe passado nem futuro na arte. Se uma obra de arte não vive sempre no presente, está fora de questão. A arte dos gregos, dos egípcios e dos grandes pintores, que viveram noutras épocas, não é uma arte do passado; talvez esteja hoje mais viva do que nunca. A arte não se desenvolveu a partir de si própria, mas as ideias dos homens mudam, e com elas a sua forma de expressão" (que, creio, o Mies Van der Rohe subscreceria…).
8. A ti, caminhante, cabe, agora, "fazer o caminho ao andar".
Felcidades.

Um abraço do Zé do Boné

Pablo Chicasso disse...

Vou responder directamente ao 1º comentário.
Foi interessante que digas isso porque acabo de ler o "1984" e de ver o "Laranja Mecânica" e deu mais sentido à forma como os protagonistas acabam "curados".
O problema, para mim, é quando o ensino faz essa integração social sem promover que ela seja feita a partir de uma construção pessoal. É um pouco como se houvesse integração social sem desintegração pessoal, mas apenas porque nunca chegou a haver qualquer possibilidade de não integração. Especialmente no ensino superior, acho que isto é grave, porque mais do que ensinar capacidades técnicas, o ensino superior devia estimular o livre pensamento.
E sinceramente, parecem-me raros os professores que o fazem, e às vezes parece que sistema de ensino os contraria...

Psinocas disse...

Estimular o livre pensamento é subversivo e o controlo social é conseguido pela censura das almas originais.Contudo há uma arma que nenhum regime consegue controlar, que é a imaginação. O processo de criação, resulta daquilo que quererás fazer com essa imaginação.Mas provavelmente mais opressiva que a censura , será a interdição que possamos fazer aos nossos sonhos , com a justificação das injunções da sociedade.
A vida resulta de um processo de intenções em relação a ela, como quem diz - Vou escolher o que vai acontecer. A escolhe é tua!

Pablo Chicasso disse...

Quanto aos critérios (não tinha respondido): reconheço mais importância a uns do que a outros nesta lista, mas isso não é o importante. O que quis dizer é que se a escolha não é consciente, qual é o valor da acção? Torna-se simples repetição, e para isso qualquer dia nem precisamos de pessoas (como eu espero mostrar no próximo post).

Pablo Chicasso disse...

só porque não podia deixar passar o anterior comentário despercebido, fica aqui uma frase do Rem Koolhaas, no seu projecto de fim de curso na AA, em 1972, perfeitamente visionário daquilo que foi esta última fase do séc. XX: "Those strong enough to love it, will become the voluntary prisoners of architecture".
Como de costume ele revela-se um mestre da complexidade e contradição e joga com o optimismo do "those strong enough" e com fatalismo do "voluntary prisoners".
Outro desses jogos de sentidos é a definição dele de "Abolish: to execute an intention amounts to abolish a desire."

(está tudo no S,M,L,XL, se alguém estiver interessado)